Especialistas e usuários pedem mais seguranças em ônibus; autoridades indicam menos assaltos

Especialistas e usuários pedem mais seguranças em ônibus; autoridades indicam menos assaltos. Lei do deputado Roosevelt

Manoel: em 25 anos dirigindo coletivos enfrentou mais de 20 assaltos. O último, há dois meses: "ameaçaram atirar na minha cabeça" - (crédito: Fotos: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)

Lei obriga a instalação de cabines de proteção nas conduções. Autoridades, porém, indicam redução de assaltos

O incêndio criminoso, em março, em um ônibus, no Trecho 3 do Sol Nascente, acendeu o alerta de insegurança entre passageiros, motoristas e cobradores que estão diariamente nos transportes coletivos da capital federal. Ainda que as estatísticas mostrem diminuição dos crimes cometidos em ônibus, novas medidas são estudadas para garantir proteção. Entre elas, a instalação de cabines reforçadas e com isolamento nos veículos desse serviço, destinadas aos funcionários, e previstas em lei de autoria do deputado Roosevelt Vilela (PL).

Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) apontam que, entre janeiro e fevereiro deste ano, houve uma redução de 66% dos roubos em coletivos, em  comparação ao mesmo período de 2023 (queda de 106 para 36 ocorrências). Ao longo de 2023, o número de delitos nos coletivos foi de 453 e, em 2022, 651, um decréscimo de 30%.

O DF conta, atualmente, com cerca de 2,8 mil ônibus e quase 14 mil rodoviários, segundo o Sindicato dos Rodoviários do DF. São trabalhadores que temem, todos os dias, serem mais uma vítima de criminosos. Na madrugada de 31 de março, um grupo com quase 15 pessoas ateou fogo a um ônibus, no Sol Nascente. O ato criminoso foi registrado por câmeras de segurança. De acordo com o relato do condutor, três pessoas o abordaram e ordenaram que ele e o cobrador descessem do veículo. Posteriormente, outras entraram no coletivo e despejaram gasolina em seu interior e atearam fogo.

Quatro dias depois desse ocorrido, um homem de 24 anos foi preso pela Polícia Militar (PMDF) por furtar um ônibus no terminal da Asa Norte. O suspeito fugiu dirigindo esse transporte, acabando por se chocar com um caminhão em Taguatinga. Após a batida, ele tentou escapar correndo, mas foi alcançado por funcionários da empresa proprietária do veículo de carga. Policiais foram chamados e levaram o criminoso à 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro).

Lei

Casos como esses servem de aviso e indicam ao poder público a necessidade de inciativas para enfrentar crimes em transportes públicos. Uma delas, por exemplo, foi a entrada em vigor, em 4 de março, da Lei n° 7.434, de autoria do deputado distrital Roosevelt Vilela. Ela estabelece a implementação de cabines de segurança para motoristas e cobradores dentro dos ônibus em que trabalham. A determinação é direcionada às empresas permissionárias do serviço de transporte coletivo.

A lei estabelece ainda que a cabine do motorista deve dar acesso à direção veicular, por uma porta de acesso exclusivo a ele. Já a do cobrador deverá contar com abertura para o passageiro efetuar o pagamento da tarifa. O prazo para as companhias cumprirem a norma é de 180 dias (até o início de setembro), e os veículos que não forem adaptados ficarão impedidos de circular. A reportagem entrou em contato com a Urbi, Piracicabana e Marechal para saber sobre o andamento da implementação dos compartimentos, mas, até o fechamento desta edição, as firmas não retornaram. O espaço segue aberto.

Enquanto o equipamento não entra em operação para proteger motoristas e trocadores, outras ações de segurança são desenvolvidas para benefício desses trabalhadores e das pessoas que transportam. Questionada sobre como se dá essa atuação, a SSP-DF informou que, de acordo com a Polícia Militar, a corporação dedica especial atenção aos coletivos. “São estabelecidas parcerias com as empresas para aprimorar ações de segurança por meio de treinamentos para motoristas e cobradores, visando, assim, aumentar a conscientização e a capacidade de resposta em situações de risco”, afirmou a pasta em nota.

A PMDF, em algumas regiões, se serve de canais de comunicação com a comunidade pelas redes sociais a fim de estreitar a cooperação com a sociedade e se informar sobre eventos suspeitos de forma ágil. Isso ajuda os militares a mapearem locais e horários com maior incidência de riscos em ônibus, elaborando ações preventivas direcionadas a cada ponto do DF, enfatizou a SSP-DF.

O presidente do Sindicato dos Rodoviários do DF, João Jesus de Oliveira, apontou a necessidade da atenção de uma maior atuação do poder público . “Sempre tivemos essa preocupação com a segurança, uma vez que não há assaltos que não são violentos. Todos são. E os funcionários ficam com traumas, sem saber o que pode acontecer”, acrescentou.

E para Oliveira, mesmo que a Secretaria de Transporte e Mobilidade do DF diga que todos os ônibus da capital federal possuem câmeras de segurança, esses equipamentos não são capazes de coibir crimes nos coletivos. “Essas câmeras não transmitem on-line e por isso não enviam imagens em tempo real. Apenas gravam, e isso não é capaz de inibir os criminosos”, reclamou. Ainda, de acordo com o presidente do sindicato, a categoria promove reuniões constantes com a SSP-DF na tentativa de elaborar projetos de proteção. “Pedimos para que a polícia faça abordagens nas paradas de ônibus e que faça ronda ostensiva”, citou.

Na pele

César da Costa, 36 anos, trabalha como motorista há 10 anos. Em 2023, ele passou por uma situação de terror. Na condução do ônibus com destino à Estrutural, um homem entrou no coletivo e, minutos após se sentar, levantou-se e partiu para cima dele. “Tudo aconteceu do nada. Ele veio com murros e socos e só consegui me proteger graças aos passageiros, que o afastaram”, detalhou.

O funcionário diz não ver medidas eficazes para conter a violência nos transportes coletivos. Considera, porém, que policiais no interior do ônibus ajudariam a manter a segurança dos passageiros e funcionários. “Na EPTG, por exemplo, é tudo escuro. A gente não vê nem as pessoas acenando (para solicitar parada). Elas precisam ficar com as lanternas dos celulares acesas”, relatou.

Manoel Jamilton, 64, também é motorista. Ele diz haver enfrentado mais de 20 assaltos ao longo da profissão de mais de 25 anos. O último ocorreu há dois meses, na QNR, em Ceilândia. “O cara entrou armado e com um comparsa. Roubaram o dinheiro do caixa, o celular de um passageiro e disseram que, se eu não abrisse a porta, iriam atirar na minha cabeça”, relatou

A estudante Luíza Melgaço, 21, pega uma das linhas mais requisitadas: a 180, que liga a Rodoviária do Plano Piloto a São Sebastião. Todos os dias, ao final da tarde, ela enfrenta a superlotação para chegar à sua casa. “É uma situação complicada. Por ser um ônibus cheio, as pessoas se aglomeram e sempre causa confusão. Presenciei, inclusive, uma facada. Essa organização e segurança precisa começar antes do embarque. É prevenção”, pediu.

Palavra de especialista: “Falta vontade política e empresarial”

O que temos, hoje, é um atraso gigantesco ao falarmos de tecnologia para proteção em transporte coletivo. Atualmente, não temos mais o custo que se tinha há 15 anos, quando nós precisávamos transmitir alguma imagem em tempo real. Eu posso comprar, por exemplo, uma lâmpada com câmera (embutida). A conecto ao Wi-Fi e consigo ver (as imagens captadas) pelo celular. Então, dizer que não existe possibilidade de utilização da tecnologia para monitorar o transporte coletivo, com tudo isso que está disponível, é uma grande brincadeira. O que não se tem é vontade empresarial, política e muito menos um cuidado com quem faz uso do transporte coletivo. O que ganharíamos com a transmissão de imagens em tempo real? Primeiro, nós teríamos uma prova imediata de que um crime está acontecendo. Segundo: com esse tipo de conexão, que não precisa ser das melhores do mundo e não está com custo muito caro, poderíamos vinculá-la à inteligência artificial — que consegue identificar quando alguém porta uma arma, uma faca ou detectar comportamentos agressivos. A inteligência artificial está pronta para isso. Não dá para dizer que isso não possa ser colocado dentro de uma condução e que seja necessário um grande aparato (tecnológico).

Leonardo Sant’Anna, especialista em segurança pública

Roubos a coletivos no DF

2024: (janeiro e fevereiro): 36 ocorrências

2023: 453 ocorrências

2022: 651 ocorrências

Falta vontade política e empresarial

O que temos, hoje, é um atraso gigantesco ao falarmos de tecnologia para proteção em transporte coletivo. Atualmente, não temos mais o custo que se tinha há 15 anos, quando nós precisávamos transmitir alguma imagem em tempo real. Eu posso comprar, por exemplo, uma lâmpada com câmera (embutida). A conecto ao Wi-Fi e consigo ver (as imagens captadas) pelo celular. Então, dizer que não existe possibilidade de utilização da tecnologia para monitorar o transporte coletivo, com tudo isso que está disponível, é uma grande brincadeira. O que não se tem é vontade empresarial, política e muito menos um cuidado com quem faz uso do transporte coletivo. O que ganharíamos com a transmissão de imagens em tempo real? Primeiro, nós teríamos uma prova imediata de que um crime está acontecendo. Segundo: com esse tipo de conexão, que não precisa ser das melhores do mundo e não está com custo muito caro, poderíamos vinculá-la à inteligência artificial — que consegue identificar quando alguém porta uma arma, uma faca ou detectar comportamentos agressivos. A inteligência artificial está pronta para isso. Não dá para dizer que isso não possa ser colocado dentro de uma condução e que seja necessário um grande aparato (tecnológico).

Leonardo Sant’Anna, especialista em
segurança pública

Roubos a coletivos no DF

2024 (janeiro e fevereiro): 36 ocorrências

2023: 453 ocorrências

2022: 651 ocorrências

Fonte Correio Braziliense